O Brasil vai de etanol?

Um novo debate sobre incentivos para o setor sucroalcooleiro pode definir os investimentos em usinas até 2030. Em jogo está a dependência da gasolina importada



O slogan “combustível completão” foi criado em 2012 pela indústria sucroalcooleira para convencer motoristas de carros flex que os atributos ambientais e sociais do etanol deveriam ser considerados na bomba, independentemente dos preços. Para a imensa maioria dos consumidores, porém, é o bolso que dita a decisão na hora de abastecer. Daí a luta do setor para ter qualidades como a redução dos gases de efeito estufa reconhecidas em políticas de incentivo fiscal.

Novas diretrizes estão em elaboração pelo governo e podem consolidar a importância do etanol na matriz energética. Se der certo, pode significar uma redução da quantidade de gasolina que o Brasil precisará importar e o resgate do protagonismo da cadeia sucroalcooleira. Os cálculos mais recentes da Empresa de Planejamento e Pesquisa (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, mostram quatro diferentes hipóteses para 2030 (leia quadro ao final da reportagem). Na mais pessimista, que contempla a abertura de apenas duas usinas, a importação de gasolina totalizaria 7 bilhões de litros, muito acima do pico de 3,8 bilhões em 2012.

Num cenário de baixo crescimento da oferta de etanol, a importação do combustível fóssil seria de 3,9 bilhões de litros. O considerado mais provável pelos técnicos prevê a instalação de 22 novas usinas e uma evolução consistente do volume produzido de etanol, sem a necessidade de importação de gasolina. Na hipótese mais otimista, a produção de etanol cresceria de tal forma que geraria um excedente de 3,4 bilhões de litros de gasolina. Em 2016, o Brasil importou 2,9 bilhões de litros. Os números foram divulgados neste mês, mas devem passar por uma nova revisão. Os dados não incorporam os impactos do RenovaBio, o conjunto de medidas de longo prazo em elaboração pelo governo.

O documento com macrodiretrizes da nova política foi aberto para consulta pública na quarta-feira 14. Os eixos já definidos, como o de regras de comercialização e equilíbrio econômico e financeiro, balizarão as metas que permitirão alcançar o compromisso firmado pelo Brasil na convenção do clima COP-21, de reduzir em 43% os gases de efeito estufa e ampliar a participação dos biocombustíveis para 18% da matriz até 2030. Dados da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica) anexados à consulta mostram porque o setor considera a EPE otimista. Segundo a entidade, sem estímulos ao etanol, a importação de gasolina poderia chegar a 27 bilhões de litros em 2030.

Uma reunião nesta semana discutirá as diferenças de projeções dentro do próprio governo – entre EPE e Agência Nacional de Petróleo, por exemplo – e deve indicar uma visão mais alinhada na esfera estatal sobre o desafio energético. José Mauro Coelho, diretor da EPE, considera as divergências normais, de acordo com premissas e objetivos diferentes de cada entidade, e destaca que haverá atenção ao mercado. “Temos procurado interagir com os agentes da indústria para ver o que pensam e internalizar isso nos nossos planos.” O setor demonstra cautela em relação ao RenovaBio. Ainda carrega fresco na memória os danos causados pelas políticas adotadas a partir de 2008, com o congelamento dos preços e a isenção da Cide na gasolina.

No período, 96 usinas foram fechadas e o investimento minguou. Só em 2015, com a recomposição parcial da Cide, é que veio um breve respiro. Mas o fim de um incentivo de PIS/Cofins no etanol, neste ano, quase anulou a melhora de então. Apesar do ceticismo, a indústria reconhece o potencial do programa caso seja aprovado e prevê uma elevação dos 28 bilhões atuais para 50 bilhões de litros de etanol para atingir as metas ambientais. Para isso, traça um prognóstico até maior do que o da EPE, com a entrada de 75 usinas e investimentos de R$ 40 bilhões. “Vai depender das políticas que darão previsibilidade ao setor, uma política de Estado”, diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor téncico da Unica.



Para garantir o caráter perene, as conversas em Brasília indicam a formulação de um projeto de lei. “A hora que vira lei, se transforma em política de Estado”, diz Plinio Nastari, presidente da consultoria Datagro. “Vai ser um farol do mercado de combustíveis.” A previsão é adotar metas graduais de aumento da fatia do etanol na matriz energética. Para torná-lo mais competitivo, a Unica calcula que a Cide sobre a gasolina deveria passar dos atuais R$ 0,10 para R$ 0,60, e sugere incentivos para incrementar a eficiência dos motores flex, entre outros. A expectativa é que o texto final do programa esteja pronto até junho. Só depois que passar no Congresso, será possível dizer se o Brasil realmente vai de etanol.

Fonte: Istoé

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